No
mesmo momento que o relógio apontava a metade das dez horas da manhã ele
acordou. Chegara às duas e meia de uma festa, bebeu o suficiente para atestar
uma leve dor de cabeça; decidiu permanecer deitado, mesmo sabendo que não
conseguiria voltar a dormir. Aos poucos foi relembrando alguns fatos da
madrugada, tão próxima, mas já passada; dessa forma, respostas dos motivos para
o despertar tão insosso, monótono que culminavam na vontade de ficar prostrado
na cama, pensando, debatendo consigo mesmo, vinham à tona. Em todos os diálogos dele com ele próprio uma frase se repetia: “Você é um bosta!”
Àquela
festa foram ele, o protagonista do fracasso, dois amigos, ambos altamente
entusiastas e uma amiga, que ali só estava para encontrar um carinha que tinha
conhecido em outro contexto de socialização forçada. Obviamente, além dos já
citados, havia cerca de mais quinhentas pessoas no lugar; não cabe ao narrador enumerar precisamente, isso nem é relevante para a história, também. Dentro desse aglomerado,
uma certa mulher chamou a atenção do nosso protagonista, como normalmente
ocorre, não é uma pessoa tão crítica assim - até o ponto de se autosabotar - e a atmosfera ajudava a achar quase
qualquer coisa apelativa atraente. Entram em cena os dois amigos, a amiga já
havia encontrado aquele sujeito que citei; ela encontra-se desaparecida até o
presente da narrativa.
“Está
de olho em alguém, Protagonista (não vou inventar nomes)?” perguntou um dos
amigos que poderiam muito bem ser a mesma pessoa; pronto, agora o são.
“
Aquela garota encostada no muro da esquerda...você conhece?”
“Não,
mas podemos conhecer. Vamos lá, cara. Te apresento, conversamos com ela, com as
amigas dela; vamos socializar, estamos aqui, pô!”
“
Desencana, para que eu vou lá? Provavelmente serei ignorado e você se dará bem,
como acontece normalmente.”
“Pára
com isso! e se me dou bem, é por que passo essa positividade, essa segurança.”
“Passa
sim, cara. É disso que elas gostam, de caras que não tem vergonha alguma em
assumir onde estão e por que estão em algum lugar.” o protagonista não foi
sequer ouvido, provavelmente.
“Pare
de falar bobagens! Ela está olhando para você também, cara.”
“Está
vendo em quem ela vai jogar spray de
pimenta hoje, eu pareço um bom alvo.”
“Desisto,
cara! Estou indo lá falar com ela; fique aí!”
O nosso herói, obviamente, não permaneceu ali:
primeiro foi ao banheiro, depois pegou mais uma cerveja e, para se livrar de
qualquer constrangimento, fugiu para a sua casa às duas e quinze da manhã,
praticamente na metade da confraternização. Chegou em seu domicílio, um
apartamento de dois cômodos, alugado, onde morava com o seu gato, deitou na
cama e depois de dez minutos já estava num lugar muito mais divertido daquele
onde se encontrara anteriormente: nos seus sonhos, menos bizarros que a realidade.
O
protagonista agora, ainda deitado em seu leito, pensava em como agira naquela
madrugada. No momento tenta reconstruir a história em sua mente se,
sem a ajuda de nenhum amigo entusiasta, tivesse, de fato, ido conversar com
aquela garota.
Imaginou-se
a aproximação, diria seu nome, faria perguntas triviais, ela diria que teria
que acompanhar as suas amigas até o camarote, sendo que não existia nenhum.
Em
outra variação, viu-se tendo uma conversa animada com ela sobre desenhos
animados que os dois viram quando crianças. Depois, não sabendo mais o que
falar, ela iria com as amigas até o camarote inexistente.
Outra
variante: Ela assumiu que realmente tinha olhado para ele, assim como prestaria
atenção em qualquer pessoa com um aspecto físico repugnante daqueles que
poderia forçar alguma situação, sendo ela obrigada a usar o já citado spray de pimenta. Dali ela iria,
supostamente, para o camarote.
Mais uma: Na realidade uma amiga daquela garota
estava de olho no nosso herói, porém, essa pessoa estava um pouco acima do
peso (então era ligeiramente crítico), não atraindo o protagonista que também é um babaca. Vendo aquela situação,
todas as amigas decidiram inventar a desculpa do camarote.
Na
imaginação do nosso protagonista, a bola de três que ele arremessaria iria
girar no aro e não entrar; se fosse futebol, iria driblar três marcadores, mais
o goleiro e mandar para fora de maneira vergonhosa; na faculdade de medicina iria desistir no último
semestre por falta de motivação...iria sempre falhar em algum aspecto.
O
que mais o deprimia era o fato de não conseguir ser bem sucedido nem nas suas
divagações. Ele estava totalmente desencantado e falhava ao lidar com
potenciais encantos. Fatalmente (para ele), levantou da cama, descongelou algo
e comeu sem vontade alguma. Depois não sei mais o que ocorreu, desisti de
acompanhar mais um fracasso, não só o dele.
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