domingo, 6 de janeiro de 2013

À lista (segunda parte)

5) O falecido Mattia Pascal (1904) - Luigi Pirandello



   As peças de Pirandello são, normalmente, mais poderosas e demonstram melhor as ideias do autor, porém O falecido Mattia Pascal figura entre suas principais obras. Aquela que, entre os romances desse italiano, expõe de maneira mais agradável os seus preceitos. A agradabilidade funciona, obviamente, como força que nos atrai para a leitura. Pirandello não foi apenas um teórico do humorismo, mas colocou isso em prática em todas suas obras que li até agora, algumas vezes com mais precisão, outras com menos. No caso do romance aqui tratado, ele foi extremamente feliz não só no que tange ao humor, mas também, à tragédia escondida por trás dele.
   Mattia Pascal, protagonista do romance, vive uma vida medíocre e aproveitando-se de uma situação, decide fingir sua morte para assim ter a liberdade que tanto gostaria. Cria uma história, um novo nome, uma nova vida; ficcionaliza dentro da ficção. Obviamente ele irá esbarrar nas leis, nas perguntas sobre seu passado, o que ele é? Mattia ou Adriano Meis - sua nova identidade. Acaba não sendo nenhum dos dois em sua plenitude.
   Como já disse, ler sobre esse romance pode ser chato (pois é!), então sugiro a leitura dele, muito mais agradável, cômica e que levanta importantes questões sobre a unidade do ser, suas máscaras e a inevitável busca de uma liberdade plena e utópica. Uma obra-prima de Pirandello, sem dúvidas.
Do mesmo autor: Um, nenhum e cem mil é, para mim, muito mais teoria do que romance; Pirandello, através de uma personagem, coloca a prova seus ideais de que o ser uno não existe. Apesar desse aspecto teórico e até com certa didática, é uma leitura aprazível.

4) A trégua (1960) - Mario Benedetti



   Escrito em forma de diário, A trégua, do autor uruguaio Mario Benedetti, retrata, primeiramente, a vida opaca de um viúvo cinquentenário rumo à sua aposentadoria. Até aqui a obra não parece ser muito atraente, não? Porém, com toda a certeza, é. Os anseios, arrependimentos, as desilusões, a turbulenta relação com os filhos, vão se revelando com o decorrer dessa narrativa brilhante. Estamos diante daquilo que é o mais particular de um indivíduo, aquilo que, supostamente, não era para ser lido, mas o é: um diário. A força do romance também está nesse aspecto.Martín Salomé escrevi de si para si, não pensando em julgamentos posteriores de outrem; dessa maneira ele chega às suas aflições, dúvidas, percepções; não há motivos para enganar-se a si mesmo. Paro por aqui, como um grande amigo meu assinalou bem, a maioria das sinopses d'A trégua entregam o ouro, isto é, o que é essa trégua. Não vou fazer isso. Limitarei a dizer que o começo do descobrimento da trégua, aquele até meio epifânico, quando alguém se dá conta de algo anteriormente trivial, mas que se revela ulteriormente como vital, é um dos momentos mais lindos da literatura que já li.
   Um romance escrito numa linguagem simples, que flui com facilidade. Somos continuamente colocados diante de nossos sentimentos nesse romance que exprime o que muitas vezes o leitor gostaria de assinalar, através da escrita.
   Não se passando incólume por esta leitura, reflita se vivemos entre tréguas.
Do mesmo autor: Não cheguei a ler algum outro romance de Benedetti, infelizmente, porém aceito sugestões.

3) Memorial do convento (1982) - José Saramago


   Um dos maiores mestres da criação literária é o português José Saramago. Não só na criação, porém, também, no uso de acontecimentos históricos para, a partir daí, construir histórias incríveis (talvez realmente não críveis), não com uma pitada de ironia, sim provendo-se de tudo o que essa figura de linguagem pode oferecer: o ridículo, a hipocrisia, o riso que consiste na crítica velada etc.
   Em Memorial do convento, Saramago, usando como subterfúgio escrever uma obra sobre a construção de um convento em Mafra no século XVIII, inventa histórias paralelas maravilhosas. Somos inevitavelmente atraídos pelo pouco ortodoxo casal Baltasar e Blimunda, que se juntam ao padre Bartolomeu de Gusmão para a construção de uma passarola; ela voaria com o poder de várias vontades que seriam recolhidas por Blimunda, aquela com o poder de enxerga o interior das pessoas.
   Saramago não tem pudor em acrescentar personagens e objetos de caráter fantástico numa prosa realista. A passarola, as vontades, a figura do diabo; tudo isso tem um objetivo: de ressaltar certa realidade.
   É nesse romance também que há uma das passagens mais espetaculares que já li: "Em cima deste valado está o diabo assistindo, pasmando da sua própria inocência e misericórdia por nunca ter imaginado suplício assim para coroação dos castigos do seu inferno." O diabo assistindo ao trabalho subumano a que os homens estão sendo submetidos para que se construa um convento. Lembram-se da ironia? pois é.
   Acostumar-se com o estilo de Saramago pode exigir algum esforço, mas ele é extremamente válido. Depois que isso acontece, a leitura flui da maneira como o autor gostaria.
Do mesmo autor: Talvez Ensaio sobre a cegueira seja o melhor romance para que se comece a ler Saramago. Memorial do convento tem um começo levemente truncado que pode desanimar um pouco os leitores de primeira viagem. De todas as obras que eu tenho conhecimento do autor, nenhuma é fraca, o gosto de cada um que lê acabará diferenciando-as em termos de qualidade. A viagem do elefante, Caim, O ano da morte de Ricardo Reis, Jangada de pedra e O evangelho segundo Jesus Cristo são todas obras que você não irá se arrepender de passar certo tempo com elas, assim como eu não me arrependi.

2) Angústia (1936) - Graciliano Ramos


   Este é o romance que consolidou Graciliano Ramos como um dos maiores escritores da literatura brasileira. O escritor alagoano retrata nesta obra-prima a vida de um sujeito comum, Luís da Silva, que perde sua sanidade por motivos exteriores - uma atmosfera extremamente degradante toma conta da estória - mas, principalmente, pelos reflexos do que ocorre, ao seu redor e consigo mesmo, em seu interior. Quem vê tudo e conta aquilo que enxerga é o próprio protagonista; se algo o perturba, o acomete, por exemplo, isso será transferido para a obra. O que o acomete é a insanidade; o estopim é um amor materialmente roubado, porém, com o decorrer do romance, muitos outros fatores que afligem Luís da Silva vem à tona.
   A linguagem torna-se refém de uma mente tresloucada que o vai-e-vem temporal mostra com clareza. O protagonista vai perdendo suas faculdades mentais nesse processo de confissão e nos leva conjuntamente; percorremos seus delírios, atestados por imagens que aparecem muitas vezes em associações livres.
   O nome do romance define a sua atmosfera. Não é, definitivamente, uma obra simples de ser lida. Ela aturde, incomoda, mas quando adentramos o cerne de Luís da Silva, não há mais escapatória, somos presos por suas angústias. A tragédia do homem medíocre que não o queria ser; é isso que é encontrado aqui.
   Angústia é, disparadamente, o romance mais introspectivo de Graciliano Ramos, sem deixar de lado as indisposições que o meio externo causa. Por conta desses fatores que considero esta a maior obra do escritor alagoano. Com toda certeza é um dos romances mais poderosos, que mais me afetarem durante a leitura. Ele é altamente denso, mais nos temas que trata do que na linguagem empregada; esta ainda é, na medida do possível, essencial para as impressões que o autor quer passar; como Ramos sempre escreveu: sem exageros, meticuloso, um mestre, um escultor de palavras.
Do mesmo autor: São Bernardo e Vidas secas são leituras indispensáveis para quem aprecia a obra de Graciliano Ramos. Adiciono, ainda, como essencial, a autobiografia romanceada Infância. Talvez o seu mais belo livro.

1) Crime e castigo (1866) - Fiódor Dostoiévski

    
   A grandíssima literatura russa não poderia estar fora dessa lista; ou melhor, o maior pensador da literatura ocidental, aquele que deu base à teorias filosóficas, principalmente a existencialista, que só seriam debatidas mais a frente, aquele que analisou psicologicamente o ser humano com profundidade raríssimas vezes encontrada: Fiódor Dostoiévski.
   Em Crime e castigo nos deparamos com a história do jovem intelectual, porém, pobre, Raskólnikov que elabora uma teoria no mínimo interessante, que acredito pela qual muitos são adeptos; ele divide a raça humana em dois tipos: a dos ordinários e a dos extraordinários, sendo que esses últimos se encontram em um número excessivamente menor e, por serem superiores, tem o direito de violar códigos morais. Partindo da pobreza que assola a si e a sua família, e vendo-se como extraordinário, o protagonista decidi matar uma velha agiota, parte da escória da sociedade. Entretanto, não só mata a ela, mas também a irmã da velha, pois ela o viu cometendo o delito. Tirar a vida de uma inocente não estava em seus planos. No entanto, o homem superior teve de fazer isso, caso contrário iria para a cadeia, cumpriria uma pena longa, o que a sua própria teoria rejeitava que acontecesse com sujeitos do seu tipo.
   O castigo de Raskólnikov é rigorosamente psicológico. Ele não consegue lidar com o seu crime, vê-se angustiado, febril, aturdido, delirante. Sua vida se instala num inferno, a luta se trava entre ele e sua consciência, num fluxo de pensamentos que tende a enlouquecer um pouco até o próprio leitor.
   Além dos pensamentos de Raskólnikov, Dostoiésvski revela diversos pontos de vista em diálogos extremamente densos, entre eles os mais intrigantes ocorrem entre o progonista e o investigador Porfíri.
   As obras desse escritor russo suscitam até hoje debates, que, creio eu, não irão terminar, por conta da profundidade de suas discussões. Ele coloca à prova o ser humano e suas várias contradições, como ele mesmo as tinha, tratando de religião, moral e outros preceitos vigentes em nossa sociedade que podem levar a autodestruição do ser.
   Crime e castigo é denso, pesado, longo, porém extremamente interessante. Exige muitas vezes que o leitor pare, tome um fôlego, reflita e continue. Assim como em Angústia de Graciliano Ramos, não é a linguagem o principal empecilho para a adoração da obra, mas, sim, do que a obra trata, como ela a faz, o que ela suscita. Uma obra-prima de 1866 que se encontra sempre atual.
Do mesmo autor: Acredito que Os Irmãos Karamázov sintetiza melhor o que é o romance, aquele gênero que pode abarcar todos os outros. Nele tudo cabe: poesia, contos paralelos, memoriais, música etc. Além disso, essa enorme obra apresenta, acredito, os três personagens mais fortes da história da literatura, os três irmãos. Ademais, destaco das obras que li de Dostoiévski: Notas do subsolo, Memórias da casa dos mortos, O idiota e Os demônios.

(Cometi, provavelmente, muitas injustiças aqui; mas é isso, espero que tenham gostado da lista. O que posso atestar sem medo de errar é que são todos romances com alto valor qualitativo. Entretanto, vocês podem gostar ou não deles; essa já é uma questão mais subjetiva; porém, observar que todos têm seus méritos é de extrema importância. Abraços)

Link para a primeira parte da lista: http://www.aolugaralgum.blogspot.com.br/2012/12/a-lista-primeira-parte.html