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Creio que não há duvidas que na minha
última empreitada eu tenha sido um tanto quanto displicente em relação ao modo
como agi e também no que tange ao (não) cuidado em fazer desaparecer marcas que
me entregariam às, digamos, autoridades. Por sorte, a (falta) de inteligência
policial e o total esquecimento familiar do ser voluptuoso que tirei a vazia e
inoportuna vida, ajudaram para que o caso caísse no esquecimento; não no meu,
porém. Ainda lembro-me daquela frustrante noite na qual a enormidade daquele
monstro não conseguiu nem me satisfazer fisicamente no ato de matá-la; com
rapidez perturbadora aquilo faleceu.
O caso agora é outro; não serei mais tão
desleixado, até por que a próxima vítima é bastante conhecida nos ares da vida
acadêmica da cidade. Não quero levantar suspeitas, já que a morte não me parece
tão ruim quanto à vida numa prisão ainda mais fechada que essa existência.
Quando o aniquilamento é especial,
desfruta-se ainda mais dele; usa-se armas mais brandas para que a incomoda
não-morte do sujeito se esvaia aos poucos, num sofrimento delicioso. Espero que
esse seja mais violento.
Em termos físicos está acima do peso,
como qualquer pessoa que me provoca asco, porém, não é essa a sua
característica que mais me enoja; aliás, essa é a menor. O seu
pseudo-intelectualismo, suas formas diversas de tratar pessoas de acordo com o
que elas podem o servir, sua pedofilia não declarada mas exposta, seus
trejeitos, sua tentativa de um linguajar erudito quando quer atenção, suas
referências absurdas, seu deliberado modo de chupar as bolas de seus
superiores. É um sujeito desprezível que vem dando certo, pelo menos o próprio
o vê dessa forma. Não deveria. Não pode ser que apenas eu enxergue com tanto
desgosto essa tentativa de ser essas várias máscaras que o transformam não em
muitos, mas em nenhum. Poderia deixá-lo se perder dentro de si, na amalgamação
de suas personalidades que, quando vistas de modo mais aprofundado, se contradizem,
levando quem as está analisando próximo a um estado febril, gerando absoluta
cólera. O plano é claro: matá-lo com o intuito egoísta de nunca mais sentir sua
presença.
Quando a vontade é devastadora, cria-se
tempo e oportunidades. Nesse evento é exatamente isso que ocorreu; entre uma ou
outra falta no trabalho por motivos diversos, estudei os passos daquele
sujeito; conto, agora, que não com tanto atento quanto normalmente seria
exigido, talvez seja esse o grande empecilho para o que (não) veio a acontecer.
Descobri onde ele morava, que horas
comia, estudava, não lia o que falava ler, não assistia o que fingia dominar,
enfim, era ele, a sua personalidade menos volátil. Deparei-me com uma vida
extremamente solitária. Usava meios de comunicação apenas para tentar seduzir
garotas e meninas. Em uma das minhas observações o vi entrando com uma fêmea
que aparentava ter, no máximo, quinze anos de idade. Quinze minutos passaram-se
e ela foi embora, não de carona com ele, muito menos de táxi, ele não fez nem a
gentileza de levá-la ao ponto de ônibus mais próximo. Ela foi a pé, num certo
momento nos cruzamos, ela me parou, parecia aturdida e me perguntou onde poderia
pegar alguma locomoção, morava longe. Fui gentil, dei-lhe uma carona. No
caminho percebi que ela falava descontroladamente, num fluxo de pensamentos de
difícil entendimento; devia estar sob o efeito de alguma droga. Perdemo-nos
muitas vezes por conta de sua incapacidade de se focar em apenas um objetivo:
chegar, finalmente, na casa onde residia. Fatalmente encostei o carro na frente
de sua moradia. Ela tentou me agradecer com carícias; enojado por ela ter
encostado no outro e, também, pela sua pouca idade que não se adequava àquele
apetite sexual, tirei-lhe rapidamente as mãos, disse que nada daquilo era
necessário. Ela saiu sem entender o que havia ocorrido. Nesse ato bondoso perdi
horas de estudo. Um completo fracasso, ela chegaria a sua casa de qualquer
modo, mais ou menos traumatizada, pois violentada ela já havia sido.
Já não me recordo precisamente dos
acontecimentos; algumas vezes eles parecem alucinações vívidas de uma alma
reprimida, noutras nada houve, estariam para ocorrer, ainda existem aqueles em
que tudo se deu por completo. Opto por narrar a terceira sensação, aquela de
meu gosto; o êxito não é garantido.
Decidi finalmente colocar meu plano em
ação. Ele iria a uma festa caçar garotinhas e voltaria para seu prostíbulo
ébrio, tornando-se uma presa mais fácil. No momento da tortura, porém,
esperaria certo tempo para que ele se refizesse. É de vital importância que ele
sinta agudas dores em diversas partes de seu corpo gordurento e seboso. O único
entrave seria caso ele conseguisse voltar acompanhado, o que já vimos que uma
vez acontecera. No entanto, quando ele consegue persuadir ardilosamente uma
vítima, demora-se mais na confraternização, quando não, volta cabisbaixo,
resmungando impropérios. Resolvi esperar até certa hora da madrugada, então, em
lugares pouco chamativos; às vezes, quando alguém aparecia, eu fingia estar
conversando com alguma pessoa no telefone, pedindo uma carona ou algo do tipo.
Ao longe o avistei, parecia atordoado e estava claramente bêbado. Sem ninguém na casa ele adentrou. Vesti-me, já muito próximo da casa, com uma máscara. Ele trancou a única porta de entrada do local. Eu me locomovia com dois celulares, em um coloquei o toque que a potencial vítima usava. Coloquei-o próximo a porta, com o meu outro aparelho fiz a ligação. Ele, pensando que deixara o seu próprio telefone cair, numa demonstração de imenso carinho que comumente as pessoas possuem para com esse aparelho, foi rapidamente buscá-lo. Ele abriu a porta, quando se abaixou para agarrar o que jazia no chão, acertei-o com o joelho no rosto. O que não esperava era o que houve depois do golpe. Fui agarrado por trás por alguém que não consegui identificar a priori, no entanto fui apto para me desvencilhar daquele sujeito, sem hesitação o derrubei no chão e o feri com várias facadas por todo o corpo, de maneira febril e passional. Quando dei por mim, ouvi o que, teoricamente, seria morto ligando para a polícia. Ágil, abortei a missão, recolhi-me para casa.
Meu gato saudou-me. Intuindo que algo estava errado veio ao meu colo quando sentei no sofá. Ronronou sons de sabedoria que humanos, como eu, não compreendem. Coloquei-o de lado. Com a roupa e a faca molhadas de sangue, desisti embaixo do chuveiro. Ali permaneci, nublado pela água morna que caía ininterruptamente.
Ao longe o avistei, parecia atordoado e estava claramente bêbado. Sem ninguém na casa ele adentrou. Vesti-me, já muito próximo da casa, com uma máscara. Ele trancou a única porta de entrada do local. Eu me locomovia com dois celulares, em um coloquei o toque que a potencial vítima usava. Coloquei-o próximo a porta, com o meu outro aparelho fiz a ligação. Ele, pensando que deixara o seu próprio telefone cair, numa demonstração de imenso carinho que comumente as pessoas possuem para com esse aparelho, foi rapidamente buscá-lo. Ele abriu a porta, quando se abaixou para agarrar o que jazia no chão, acertei-o com o joelho no rosto. O que não esperava era o que houve depois do golpe. Fui agarrado por trás por alguém que não consegui identificar a priori, no entanto fui apto para me desvencilhar daquele sujeito, sem hesitação o derrubei no chão e o feri com várias facadas por todo o corpo, de maneira febril e passional. Quando dei por mim, ouvi o que, teoricamente, seria morto ligando para a polícia. Ágil, abortei a missão, recolhi-me para casa.
Meu gato saudou-me. Intuindo que algo estava errado veio ao meu colo quando sentei no sofá. Ronronou sons de sabedoria que humanos, como eu, não compreendem. Coloquei-o de lado. Com a roupa e a faca molhadas de sangue, desisti embaixo do chuveiro. Ali permaneci, nublado pela água morna que caía ininterruptamente.