Ainda não
era tarde o suficiente para eu fazer o que iria naquela noite, mas o fiz, com
motivos o suficiente para não me arrepender. Falam tanto sobre a necessidade de
descarregar sua respectiva energia extra, pressupondo-se que a tenha, que eu
caí nessa; precisava daquilo; porém, infelizmente não puder ir à academia
naquele dia. Vigor em excesso não havia, mas em casos como esse se encontra o
que é indispensável para que se satisfaça certo desejo.
O ônibus
passou relativamente atrasado. Pelo horário da companhia, que não quer dizer lá
muita coisa, estava doze minutos, quase treze, atrasado; o que, de certa
maneira, acabou por me deixar um pouco menos calmo.
Estava
dentro daquele móvel desajeitado, procurando um assento. Achei-o atrás de uma
gorda que o escondia quase por inteiro. Digo, o ônibus não estava lotado, havia
um ou outro lugar para se sentar, de qualquer modo, o espaço que ela ocupava
ali era absurdo. Ela sentava em bancos duplos, teoricamente para duas pessoas,
no qual, no caso aqui relatado servia para ela, mais sua pequenina bolsa.
Aquele exagero de mulher ainda fazia questão de sentar-se no primeiro banco,
obstruindo a passagem para alguém que fosse corajoso o suficiente para tentar
arranjar-se ao lado daquela enormidade. Além de tudo isso, que até hoje me
enoja, ela estava vestindo óculos escuros enquanto que o sol já tinha desistido
há mais de meia-hora.
Andava
numa cadência agonizante aquele veículo. E aquilo na minha frente. Eu pensara
em mudar de lugar, mas já era tarde demais, os bancos todos já haviam sido
tomados e ainda haviam passageiros em pé. Uma bolsa, entretanto, estava sentadinha.
Ousam colocar em questão minhas justificativas, que besteira!
Em um
ponto do caminho, ela abriu um saco no qual deveriam conter uns três pães de
queijo. Devorava aquilo. O asco me possuía cada vez mais e eu lembrava que não
tinha ido à academia naquele dia. Pensei que se ela descesse num ponto sozinha,
eu iria segui-la, iria estudar o local, iria,ahhh, iria!
Ela
desceu sozinha, todo aquele complexo gorduroso, caindo de um lado para o outro
numa preguiça que me avassalava. Decidi segui-la. Ela morava numa casa grande
demais, que estava escura, aparentemente INABITADA naquele momento. Ahh, sentia
meu braço fraco, maldita falta da academia, preciso me exercitar sempre.
Eu não
tinha um plano, não sabia como agir. Não havia roupas extras, nada. Porém, a
escolha já fora tomada.
Ela
entrou, por um descuido não trancou imediatamente o portão, estava em casa, não
havia perigo. Esperei uns minutos e o abri. Fez um barulho escandaloso, porém
nada se manifestou. Porta também destrancada, música vindo de um cômodo. Na
cozinha recheada de guloseimas achei um martelo de madeira, outro de aço.
Peguei o segundo, chequei-o: parecia confiável.
Não
poderia acender nenhuma luz, mas fotos ali existiam, na sala, ela sempre
voluptuosa, pelo menos era o modo como eu queria enxergá-la.
Distingui
de onde aquela música vinha: do banheiro, escutava-se o característico barulho
de um chuveiro por trás daquela cantoria gorda.
Aberta,
escancarada estava aquela porta do banheiro. Escondia-se um corpo enorme dentro
daquele box. Não notou minha
presença. Bati a porta do banheiro. Ela, com aquele corpão, foi corajosamente
ver o que estava acontecendo. Assim que a cabecinha dela colocou-se para fora
daquele cômodo, o martelo mecanicamente a acertou na parte de trás de sua
cabeça. Não queria matá-la ainda, mas aquele objeto o fez. Daquele tamanho e
tão fraca. Queria acertá-la diversas vezes, fazer meu exercício. Mas não, nem
para isso aquele peso para o mundo me ajudou.
Nem
pensei em limpar a poça de sangue dali. Eu estava transtornado, decidi ir a pé
para a minha casa, mesmo com manchas em minha camiseta negra. Ninguém sequer reparou.
Abri a
porta de casa, meu gato me saudou na sua maneira discreta. Guardei o martelo em
minha cozinha. Depois iria me livrar daquilo.
Coloquei
uma roupa apropriada e fui correr um pouco. Eu precisava do meu exercício!
Gostei da frieza com que é relatado o texto. O fato de o exercício ser o mais importante, mais importante até que uma vida. Traz bem a ideia do individualismo e da indiferença atual do ser humano.
ResponderExcluirMuito boa narrativa. Final surpreendente. Aquele exitencialismo peculiar ao seus textos. E, uma dose de "Crime e Castigo", talvez?
ResponderExcluirGrande texto.
Grande abraço.