Pensando mais
friamente, depois do ocorrido, reflito que talvez nunca tenha me apaixonado
realmente. A razão sempre residiu em mim, obstruindo toques de loucura que
poderiam ser benéficos. De todo modo, eu entendo aquele que é insano e age
dessa maneira, encontrando justificativas plausíveis para tanto. Elas têm que
fazer sentido dentro do próprio ser, e isso não é negado. Entretanto, quando a
ação se exterioriza, as conseqüências podem se tornar fatais, num processo de
destruição não apenas de si mesmo, mas também do objeto venerado.
Eu concordei
em ser o cúmplice de tão belo ato romântico. Era uma quarta-feira, ou quinta,
não me lembro muito bem. O amanhecer veio com tanta força que até o próprio sol
chorou, deixando-nos na semiescuridão de uma tarde chuvosa.
Permaneci
sentado do outro lado da rua, num ponto de ônibus, de frente ao lugar onde a
celebração de sentimento tão nobre iria ser posta em prática. Minha
visão estava um tanto quanto turva por conta da nebulosidade, mas ainda sim eu
conseguia sentir, ao longe, quase não vendo, aquela declaração.
Meu amigo
parecia nervoso, talvez estivesse hesitando, tremia um pouco, ou eu queria que
ele parecesse daquela maneira, não sei ao certo. Não havia quase ninguém nos
arredores, apenas carros passando numa velocidade em que nada os chamaria a
atenção.
Ele
finalmente adentrou o lugar, não havia filas, eram três atendentes para um
consumidor, ele. No entanto, meu amigo reservava sua visão para apenas uma
delas, a sua grande paixão, a sua musa, que conversava animadamente com suas
colegas, no ócio do trabalho. Quando ela o viu, percebeu-se certo horror em sua fisionomia, que foi se diluindo até se chegar a uma sensação de serenidade, ainda não completa, porém.
Pareceu-me
que ela foi ao encontro dele, sendo que este remexia seu bolso, carregando ali
o presente do amor incondicional. Conforme a loja estava fazia, ambos –
importante frisar – beijaram-se, encontrando-se os corpos, sem um abraço
completo, pois a mão dele permanecia estancada naquele buraco de suas vestes.
Eu pouco podia ver ou, por mais estranho que pareça, sentir, também, uma das mãos
da futura desposada. Notei, apenas, uma dor descomunal no abdômen dele, que
poucos milésimos de segundos antes havia deferido seu carinho. Os dois,
separando os lábios vagarosamente, foram-se ao chão, com os corpos ainda juntos
caíram na amalgamação de suas respectivas poças escarlates. Ali, o único fato
que sei perfeitamente, é que se casaram na morte.
Os objetos
que levaram aquela união, assim como os cadáveres, jaziam inanimados no chão,
sem saberem o que tinham conquistado. A eternidade, foi isso que aquelas duas
facas, parecidíssimas, haviam ajudado a celebrar.
Apaixonar-me
deliberadamente? Sim, flerto com a morte.
nossa ... eu fui acompanhando a narrativa tão emocionada, e fui ficando nervosa junto com o rapaz encontrando a moça e com ela o recebendo e fiquei chocada com o fim. que trágico.
ResponderExcluirEntão acho que o texto foi bem-sucedido. Espero que tenha gostado, Aline. beijo e obrigado pelo comentário.
ExcluirPedro, não sabia que tinha um blog, tampouco que escrevia tão bem!!!
ResponderExcluirVou seguir e acompanhar os textos ok? Adorei!
Beijoss
aceito e agradeço o elogio, mas não compactuo com ele.
Excluirmuito obrigado, Camila. beijos.